domingo, 13 de janeiro de 2013

GRANADA

O amor é uma granada que colocam em nossas mãos. Nem sempre ela explode, mas quando isso acontece imediatamente conhecemos o paraíso ou o inferno. Como escreveu a escritora Marguerite Yourcenar, “O amor não é o centro da vida: ou é o início ou é o fim.” Faço essas ponderações depois de ter assistido ao excelente documentário dirigido pelo cineasta João Jardim, com o título de Chama-se Amor?, com especial ênfase no ponto de interrogação. O filme apresenta os relatos verídicos (interpretados por atores e atrizes) de pessoas que, a partir de relações de afetividade intensas, acabaram sendo conduzidas a atos de violência física e emocional. Apresentam-se estilhaçados diante das câmeras, como que a pedir ajuda aos que os estão ouvindo. São histórias desesperadas e pungentes de encontros que tinham tudo para se revelar tranquilos, mas que num determinado momento (sem que nenhum dos dois se desse conta disso), acabaram por destruir tudo o que estava ao seu redor. Inclusive a eles mesmos. É claro que nem sempre é assim. Há casais que conseguem atravessar o tempo praticamente incólumes, sem grandes atritos. Nem precisam fazer terapia para compreender que o cotidiano e suas abençoadas repetições podem ser o melhor fermento para um sentimento que não deve ser medido e validado só pela sua intensidade. Mas não nos iludamos achando que todos os casais vivem assim. Há muita violência escondida por trás de comportamentos aparentemente saudáveis. Cada um de nós carrega dentro de si uma considerável dose de loucura. Quando algum mecanismo é ativado, todo esse desregramento, esse chute na razão, acaba determinando o que faremos e no que iremos nos transformar. Muitos não são testados nesse limite, mas o perigo fica rondando - basta que um fato ou uma circunstância tire o pino da granada. Acompanhei algumas dessas paixões ao longo dos anos. E o que vi não foi nada bonito. Homens e mulheres que juravam se amar, que não podiam ficar um dia sem se ver, secretamente se destruíam, causando dor a quem diziam ser a criatura mais importante para elas. Preferiam morrer juntas a ter que devolver a liberdade da qual haviam se apropriado. Quando isso passava, em muitos casos um longo tempo depois, a constatação era sempre a mesma: estar viciado numa pessoa é como estar viciado em cocaína. Se essa dependência patológica se sustentar apenas no desejo físico, no ciúme e na posse, aí é o caso de pensar numa internação mesmo. Não sei o que faz com que alguém se permita ir além de determinado ponto. Esse ponto que se assemelha à perda do próprio juízo e à incapacidade de ver o que está acontecendo. A realidade fica comprometida e nada pode convencer quem está sofrendo de que existe uma possibilidade de salvação além da criatura amada. É uma das piores patologias que conheço, pois faz com que percamos todo o amor próprio e o respeito que deveríamos ter por quem nos escolheu. Não são raros os que matam. Em alguns há a consciência de que isso está lhes fazendo muito mal, mas são incapazes de acabar com esse pesadelo. O que me faz acreditar que a inteligência e a cultura são meros coadjuvantes neste tipo de situação. Basta lembrar o que aconteceu com o grande Jorge Luiz Borges, um dos maiores gênios da literatura: a despeito de sua sabedoria e lucidez sucumbiu, no fim da vida, a uma relação predatória e espoliadora. Riscos sempre há. O contrário é o deserto. Mas tudo pode se transformar em tragédia quando começamos a ficar obcecados por alguém. É amor? Não. Apenas mais um capítulo de um enredo que pensamos estar sendo escrito por nós. Não somos mais donos de nada, no entanto. Apenas da nossa insanidade. (Gilmar Marcílio)

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