domingo, 22 de julho de 2012

ACHAMOS QUE SABEMOS

Outro dia assisti a um filme no DVD do qual nunca tinha ouvido falar – talvez porque nem chegou a passar nos cinemas. Chama-se Vida de Casado, um drama enxuto, com apenas 90 minutos de duração e jeito de clássico. Gostei bastante. Um homem casado há muitos anos se apaixona por uma bela garota e com ela quer viver, mas não sabe como terminar seu casamento sem que isso humilhe sua venerável esposa, então decide que é melhor matá-la para que ela não sofra: não é uma solução amorosa? Não tem o brilhantismo de um Woody Allen, mas o roteiro possui certo parentesco com Crimes e Pecados. Se fosse possível resumir o filme numa única frase, seria: “Ninguém sabe o que está se passando pela cabeça da pessoa que está dormindo ao nosso lado”. * * * Será que nós sabemos, de verdade, o que acontece à nossa volta? Achamos que sabemos. Achamos que sabemos quais são as ambições de nossos filhos, o que eles planejam para suas vidas, esquecendo que a complexidade humana também é atributo dos que nasceram do nosso ventre, e que por mais íntimos e abertos que eles sejam conosco, jamais teremos noção exata de seus desejos mais secretos. Achamos que sabemos o que o amor da nossa vida sente por nós, baseados em suas declarações afetuosas, seus olhares ternos, suas gentilezas intermináveis e sua permanência, mas isso diz tudo mesmo? Nem sempre temos conhecimento das carências mais profundas daquele que vive sob o nosso teto, e não porque ele esteja sonegando alguns de seus sentimentos, mas porque nem ele consegue explicar para si mesmo o que lhe dói e o que ainda lhe falta. * * * Achamos que sabemos quais são as melhores escolhas para nossa vida, e é verdade que alguma intuição temos mesmo, mas certeza, nenhuma. Achamos que sabemos como será envelhecer, como será ter consciência de que se está vivendo os últimos anos que nos restam, como será perder a rigidez e a saúde do corpo, achamos que sabemos como se deve enfrentar tudo isso, mas que susto levaremos quando chegar a hora. Achamos que sabemos o que pensam as pessoas que conversam conosco e que até nos fazem confidências, aceitamos cada palavra dita e nos sentimos honrados pelas informações recebidas, sem levar em conta que muito do que está sendo dito pode ser da boca pra fora, uma encenação que pretende justamente mascarar a verdade, aquela verdade que só sobrevive no silêncio de cada um. * * * Achamos que sabemos decodificar sinais, perceber humores, adivinhar pensamentos, e às vezes acertamos, mas erramos tanto. Achamos que sabemos o que as pessoas pensam de nós. Achamos que sabemos amar, achamos que sabemos conviver e achamos que sabemos quem de fato somos, até que somos pegos de surpresa por nossas próprias reações. Achar é o mais longe que podemos ir nesse universo repleto de segredos, sussurros, incompreensões, traumas, sombras, urgências, saudades, desordens emocionais, sentimentos velados, todas essas abstrações que não podemos tocar, pegar nem compreender com exatidão. Mas nos conforta achar que sabemos. -MARTHA MEDEIROS-

CRESÇA E DIVIRTA-SE!

Tenho viajado bastante para acompanhar algumas pré-estreias do filme Divã, baseado no meu livro homônimo. Delícia de tarefa, ainda mais quando a gente gosta de verdade do trabalho realizado, e esse filme realmente ficou enxuto, delicado e emocionante. Além disso, ainda consegue me provocar. A personagem Mercedes (vivida pela incrível Lilia Cabral) está fazendo análise e leva pro consultório muitos questionamentos sobre sua vida. Até que, passado um tempo, finalmente relaxa e se dá conta de que não há outra saída a não ser conviver com suas irrealizações. Diante disso, o analista sugere alta, no que ela rebate: Alta? Logo agora que estou me divertindo?. Eu tinha esquecido dessa parte do livro, e quando vi no filme, me pareceu tão cristalino: um dos sintomas do amadurecimento é justamente o resgate da nossa jovialidade, só que não a jovialidade do corpo, que isso só se consegue até certo ponto, mas a jovialidade do espírito, tão mais prioritária. Você é adulto mesmo? Então pare de reclamar, pare de buscar o impossível, pare de exigir perfeição de si mesmo, pare de querer encontrar lógica pra tudo, pare de contabilizar prós e contras, pare de julgar os outros, pare de tentar manter sua vida sob rígido controle. Simplesmente, divirta-se. Não que seja fácil. Enquanto que um corpo sarado se obtém com exercício, musculação, dieta e discernimento quanto aos hábitos cotidianos, a leveza de espírito requer justamente o contrário: a liberação das correntes. A aventura do não-domínio. Permitir-se o erro. Não se sacrificar em demasia, já que estamos todos caminhando rumo a um mesmo destino, que não é nada espetacular. É preciso perceber a hora de tirar o pé do acelerador, afinal, quem quer cruzar a linha de chegada? Mil vezes curtir a travessia. Dia desses recebi o e-mail de uma mulher revoltada, baixo-astral, carente de frescor, e fiquei imaginando como deve ser difícil viver sem abstração e sem ver graça na vida, enclausurada na dor. Ela não estava me xingando pessoalmente, e sim manifestando sua contrariedade em relação ao universo, apenas isso: odiava o mundo. Não a conheço, pode sofrer de depressão, ter um problema sério, sei lá. Mas há pessoas que apresentam quadro depressivo e ainda assim não perdem o humor nem que queiram: tiveram a sorte de nascer com esse refinado instinto de sobrevivência. Dores, cada um tem as suas. Mas o que nos faz cultivá-las por décadas? Creio que nos apegamos com desespero a elas por não ter o que colocar no lugar, caso a dor se vá. E então se fica ruminando, alimentando a própria "má sorte", num processo de vitimização que chega ao nível do absurdo. Por que fazemos isso conosco? Amadurecer talvez seja descobrir que sofrer algumas perdas é inevitável, mas que não precisamos nos agarrar à dor para justificar nossa existência. -MARTHA MEDEIROS-

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Oh chega de decepções, estou tão machucada, me doem a nuca, a boca, os tornozelos, fui chicoteada nos rins. Um sopro de vida. (Clarice Lispector)

quinta-feira, 19 de julho de 2012

DENTRO DE UMABRAÇO

Onde é que você gostaria de estar agora, nesse exato momento? Fico pensando nos lugares paradisíacos onde já estive, e que não me custaria nada reprisar: num determinado restaurante de uma ilha grega, em diversas praias do Brasil e do mundo, na casa de bons amigos, em algum vilarejo europeu, numa estrada bela e vazia, no meio de um show espetacular, numa sala de cinema assistindo à estréia de um filme muito esperado e, principalmente, no meu quarto e na minha cama, que nenhum hotel cinco estrelas consegue superar – a intimidade da gente é irreproduzível. Posso também listar os lugares onde não gostaria de estar: num leito de hospital, numa fila de banco, numa reunião de condomínio, presa num elevador, em meio a um trânsito congestionado, numa cadeira de dentista. E então? Somando os prós e os contras, as boas e más opções, onde, afinal, é o melhor lugar do mundo? Meu palpite: dentro de um abraço. Que lugar melhor para uma criança, para um idoso, para uma mulher apaixonada, para um adolescente com medo, para um doente, para alguém solitário? Dentro de um abraço é sempre quente, é sempre seguro. Dentro de um abraço não se ouve o tic-tac dos relógios e, se faltar luz, tanto melhor. Tudo o que você pensa e sofre, dentro de um abraço se dissolve. Que lugar melhor para um recém-nascido, para um recém-chegado, para um recém-demitido, para um recém-contratado? Dentro de um abraço nenhuma situação é incerta, o futuro não amedronta, estacionamos confortavelmente em meio ao paraíso. O rosto contra o peito de quem te abraça, as batidas do coração dele e as suas, o silêncio que sempre se faz durante esse envolvimento físico: nada há para se reivindicar ou agradecer, dentro de um abraço voz humana nenhuma se faz necessária, está tudo dito. Que lugar no mundo é melhor para se estar? Na frente de uma lareira com um livro estupendo, em meio a um estádio lotado vendo seu time golear, num almoço em família onde todos estão se divertindo, num final de tarde à beira-mar, deitado num parque olhando para o céu, na cama com a pessoa que você mais ama? Difícil bater essa última alternativa, mas onde começa o amor senão dentro do primeiro abraço? Alguns o consideram como algo sufocante, querem logo se desvencilhar dele. Até entendo que há momentos em que é preciso estar fora de alcance, livre de qualquer tentáculo. Esse desejo de se manter solto é legítimo. Mas hoje me permita não endossar manifestações de alforria. ...recomendo fazer reserva num local aconchegante e naturalmente aquecido: dentro de um abraço que te baste. Martha Medeiros

terça-feira, 17 de julho de 2012

O DEUS DAS PEQUENAS COISAS

"'Me sinto uma fracassada'.Não é uma frase fácil de se ouvir de alguém. Soa até mesmo incompreensível quando se trata de uma mulher linda, rica, que mora numa casa deslumbrante, passa uma parte do ano no Brasil e a outra em Nova York, é casada com um homem igualmente lindo e apaixonado por ela, tem dois filhos que são uns doces, é uma profissional bem-sucedida e já deu a volta ao mundo uma meia-dúzia de vezes. O que é que falta? “Um projeto de vida”, responde ela.Existe uma insaciedade preocupante nessa mulher e em diversas outras mulheres e homens que conquistaram o que, a priori, todos desejam, e que ainda assim não conseguem preencher o seu vazio. Um projeto de vida, o que vem a ser? No caso de quem tem tudo, pode ser escrever um livro, adotar uma criança, engajar-se numa causa social, abrir um negócio próprio, enfim, algo grandioso quando já se tem tudo de grande: amor, saúde, dinheiro e realização profissional. Mas creio que esse projeto de vida que falta a tantas pessoas consiste justamente no que é considerado pequeno e, por ser pequeno, novo para quem não está acostumado a se deslumbrar com o que se convencionou chamar de “menor”.Onde é que se encontra o sublime? Perto. Ao regar as plantas do jardim. Ao escolher os objetos da casa conforme a lembrança de um momento especial que cada um deles traz consigo. Lendo um livro. Dando uma caminhada junto ao mar, numa praça, num campo aberto, onde houver natureza. Selecionando uma foto para colocar no porta-retrato. Escolhendo um vestido para sair e almoçar com uma amiga. Acendendo uma vela ou um incenso. Saboreando um beijo. Encantando-se com o que é belo. Reverenciando o sol da manhã depois de uma noite de chuva. Aceitando que a valorização do banal é a única atitude que nos salva da frustração. Quando já não sentimos prazer com certas trivialidades, quando passamos a ter gente demais fazendo as tarefas cotidianas por nós, quando trocamos o “ser feliz” pelo “parecer feliz”, nossas necessidades tornam-se absurdas e nada que viermos a conquistar vai ser suficiente, pois teremos perdido a noção do que a palavra suficiente significa.Sei que tudo isso parece fácil e que não é. Algumas pessoas não conseguem desenvolver essa satisfação interna que faz com que nos sintamos vitoriosos simplesmente por estarmos em paz com a vida, mesmo possuindo problemas, mesmo tendo questões sérias a resolver no dia a dia. É inevitável que se pense que a saída está na religião, mas dedicar-se a uma doutrina, seja qual for, pode ser apenas fuga e desenvolver a alienação. Mais do que rezar para um deus profético e soberano, acredito que o que nos sustenta passa sim, por uma espiritualidade, porém menos dogmática. É o cultivo de um espírito de gratidão, sem penitências, culpas, pecados e outras tranqueiras. Gratidão por estarmos aqui e por termos uma alma capaz de detectar o sublime no essencial, fazendo com que todo o supérfluo, que não é errado desejar e obter, torne-se apenas uma consequência agradável desse nosso olhar íntimo e amoroso a tudo o que nos cerca." Martha Medeiros

A MELHOR COISA QUE NÃO ME ACONTECEU

Antes do ator Daniel Craig ser confirmado como o novo James Bond do cinema, havia uma onda de boatos que prenunciava Clive Owen no papel. Lendo uma entrevista com Owen, ele disse que essa foi a melhor coisa que nunca lhe aconteceu, pois quanto mais ele negava a informação, mais se falava sobre ele. É uma maneira de se divertir com o destino, mas a frase que ele usou é tão boa que deixemos o bonitão pra lá e vamos adiante: qual foi a melhor coisa que nunca lhe aconteceu? Comigo, acho que foi aos 14 anos de idade. Eu iria para a Disney com a família e alguns primos. Estava ansiosa pela viagem, quase não dormia à noite. Seria minha primeira vez no Exterior, um acontecimento. No entanto, uns 10 dias antes de embarcar, o governo estabeleceu um tal imposto compulsório que tornou a viagem proibitiva. Fim de sonho: não haveria grana para bancar a aventura. Os passaportes novinhos em folha foram para o fundo da gaveta e eu passei mais uma noite sem dormir, só que dessa vez de tristeza. Era julho e minhas férias escolares se resumiriam a ficar em casa. Porém, haveria uma excursão do colégio para a Bahia, e muitas de minhas colegas de aula iriam. Pensei: nada mal como prêmio de consolação, trocar o Mickey pelo Pelourinho. O preço era uma merreca se comparado a uma viagem aos States. De ônibus até Salvador, imperdível! Virei, mexi, implorei, consegui a última vaga e fui. Resultado: voltei com meia dúzia de amizades tão fortalecidas que, até hoje, somos como irmãs. Tenho certeza de que se eu não houvesse viajado com elas, eu jamais teria entrado para o grupo que pertenço com orgulho até hoje. A Disney foi a melhor coisa que nunca me aconteceu. Fico imaginando as histórias que podem não ter acontecido com você. Namorar uma pessoa por oito anos e romper dias antes de subir ao altar: não ter casado pode ter sido a melhor coisa que nunca lhe aconteceu, vá saber o que o destino lhe ofereceu em troca. Ou você não ter passado num concurso. Nunca ter recebido a ligação que tanto esperava. Nunca ter recuperado um objeto perdido que o deixava preso a lembranças paralisantes. Ter ficado com fama de ter sido o grande amor de uma modelo espetacular: na verdade, ela nunca olhou pra você, mas um mal-entendido fez com que muitos acreditassem na lenda e até hoje você recebe os dividendos: foi a melhor coisa que nunca lhe aconteceu. É uma visão generosa da vida: imaginar que os não acontecimentos fizeram diferença, que você está onde está não só por causa das escolhas que fez, mas também pelas especulações que nunca se confirmaram. Ao manter esse caráter desestressado, eliminamos a palavra derrota do nosso vocabulário e a alma fica mais aliviada, o que não é pouca coisa nesse mundo em que tanta gente parece pesar toneladas devido ao mau humor e ao pessimismo. Cá entre nós, viajar de Porto Alegre até Salvador de ônibus para passar três dias e voltar, e achar isso uma beleza, é a prova de que ter o espírito aberto funciona. Martha Medeiros
... Triste é ver-te enganando-se enquanto pensas enganar o mundo ... Triste é saber do fim dos teus passos enganados pelo mundo ilusório que pintastes ... Triste é saber que impotente, eu apenas estarei a assistir enquanto duro o teu coração persiste ... Eu, fiz o que pude por você, agora ... siga e repense ... E quando teu coração do arrependimento real e sincero se preencher, lutará pela conquista da confiança que por tuas mãos perdestes ... Não a minha, mas de tantos quanto também te amam ... lamento!

quinta-feira, 12 de julho de 2012

MORRE LENTAMENTE...

Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito, repetindo todos os dias os mesmos trajetos, quem não muda de marca, não se arrisca a vestir uma nova cor ou não conversa com quem não conhece. Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru. Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o negro sobre o branco e os pontos sobre os “is” em detrimento de um redemoinho de emoções, justamente as que resgatam o brilho dos olhos, sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos. Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho, quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho, quem não se permite pelo menos uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos. Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem não encontra graça em si mesmo. Morre lentamente quem destrói o seu amor-próprio, quem não se deixa ajudar. Morre lentamente, quem passa os dias queixando-se da sua má sorte ou da chuva incessante. Morre lentamente, quem abandona um projeto antes de iniciá-lo, não pergunta sobre um assunto que desconhece ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe. Evitemos a morte em doses suaves, recordando sempre que estar vivo exige um feito muito maior que o simples fato de respirar. Somente a ardente paciência fará com que conquistemos uma esplêndida felicidade. Pablo Neruda